terça-feira, 15 de junho de 2010

8

Entre parênteses, um traço separa duas datas. A primeira é celebrada todos os anos; a segunda é desconhecida, mas espreita no calendário. A cada dia, marchamos em sua direção, por mais gloriosa que seja nossa existência, assim tingida sempre de certa tristeza. Perguntamos de nosso quando, mas não queremos realmente saber que ele existe.

E sabemos que depois da hora derradeira, a luz do sol continuará caindo sobre os verdes gramados e os pássaros cantarão enquanto segue o cortejo de passos lentos. Tantas vezes vimos essa cena e nos amarguramos para nada.

Parece absurda a crença na redenção da carne, mas também é absurda a crença na vida, que nasce para terminar. Assim, Jesus interrompe o cortejo e devolve o alento a quem o perdeu. Porque essa é a única esperança, há dança e júbilo nessa música. O dobre de finados se transforma em dobre de alegria.

Em vão se buscará, contudo, uma confiança perfeitamente luminosa nessa composição. O coral não esconde seu espírito crepuscular. Era tarde já quando a viúva de Nain seguiu sem esperança para o cemitério.


Liebster Gott, wann werd ich sterben?
Meine Zeite läuft immer hin,
und des alten Adams Erben,
unter denen ich auch bin,
haben dies zum Vaterteil,
DaB sie nicht eine kleine Weil
arm und elend sein auf Erden
und denn selber Erde werden.

Deus amado, quando irei morrer?
Meu tempo aqui se esvai,
e os filhos do velho Adão,
entre os quais sou contado,
receberam como herança
não passar senão um momento
pobres e miseráveis sobre a Terra
antes de se tornar eles mesmos terra.



terça-feira, 8 de junho de 2010

81

O mais curto versículo da Bíblia é também um dos mais fortes. Os simples fatos da vida, olhados de perto, estão cheios de significado. O minuto que passa em silêncio é precioso: passa para sempre. Uma pergunta basta, às vezes, para definir uma vida ou para escrever um livro. Uma frase, lida de relance, traz premonições. Se Jesus dorme, que devo esperar?

A parábola, contudo, é tão conhecida e tão direta em si mesma, que o compositor evita a exegese e prefere recriar, em música, a cena familiar. Primeiro oferece as ondas sobre o mar, os ventos bravios e a fúria de Belial. Quem ouve, segue no barco, em meio à tormenta. Depois, ele faz vivo o milagre na voz de Jesus que ordena calma ao mar alto. A passagem do Evangelho tem uma certa dose de humor e ela também aparece nos exageros da partitura.

As árias terminam, assim, servindo de moldura colorida para o recitativo magnífico entre tantos, que resume e ilumina uma história quase engraçada sobre pescadores em apuros. Ele sublinha a interrogação misteriosa do versículo curto de Mateus 8, 26: homens de pouca fé, porque temeis?

Ao fim, a tela barroca perde suas cores exuberantes e seus corpos em movimento, as ondas desaparecem, e também os rostos espavoridos. Há apenas o singelo coral final que fala do fim das tempestades e dos trovões. Que fala da paz.


Jesus schläft, was soll ich hoffen?
Seh ich nicht
Mit erblasstem Angesicht
Schon des Todes Abgrund offen?

“Jesus dorme, que devo esperar?
Não vejo
Com pálida face
Aberto o Abismo da Morte?