quarta-feira, 3 de março de 2010

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O medo da escuridão nos atinge de muitas formas. E nem é tanto a treva da noite, mas a cegueira, a falta de rumos, o silêncio da solidão. Em meio à neblina, os barcos devem tocar suas sirenes, as bóias, no mar, têm sinos. Quando acaba a eletricidade, as crianças ficam ansiosas e caladas; no retorno da luz, há gritos de festa. O problema nunca é a escuridão em si mesma, mas o medo do que nos espera.

Muitas são as formas de clamar. Podemos pedir o perdão na noite escura da alma, declarar a esperança na palavra daquele que há de nos salvar e também prometer a vigília de uma madrugada à outra, como Davi e Manassés. A receita da música é manter sua integridade em um mundo sem luz. Guardar e vigiar para que os monstros não saiam de dentro de nós.

Assim, a grande música se revela uma forma de profecia. Não basta explorar a intenção estética do livros dos Salmos. Mesmo cego, o artista expõe dramas futuros. Em 1708, o verso que recomenda a Israel esperar no Senhor, cantado em alemão, é o reconhecimento emocionado de que os povos germânicos também são contados entre os filhos de Abraão. Em 1945, o mesmo verso apontava para a sombria tragédia que representa a recusa dessa filiação e também para a necessidade da esperança.

A escuridão está sempre à espreita. Acenda uma vela, pois, ou guarde em seu coração a música do rapaz de 23 anos, órfão de pai e mãe, que sabia muito bem como lutar contra a treva da tristeza.



Aus der Tiefe rufe ich, Herr, zu dir.
Herr, höre meine Stimme,
Laß deine Ohren merken auf die Stimme meines Flehens!


Das profundezas eu clamo, Senhor, por Ti.
Senhor, escuta a minha voz;
Estejam os Teus ouvidos atentos à voz das minhas súplicas!
(Salmo 130: 1, 2)



2 comentários:

  1. Espere Israel no Senhor, porque no Senhor há misericórdia e nele há abundante redenção.
    Salmos 130;7

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