segunda-feira, 29 de março de 2010

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Não existe outra palavra senão o mistério. O criador do infinito Universo, o criador dos números, de cada um dos átomos escolheu vir à Terra e assumir a carne de um homem. Como tantos deuses passados e futuros, Ele poderia exibir entre os homens sua glória e seu poder, fender os céus com relâmpagos e esmagar os exércitos com sua destra. Se Deus quisesse que todos os homens acreditassem, assim seria. Clemente e misericordioso, nasceu de uma virgem, uma pobre moça judia. Há nisso um sinal para os que crêem.

Não existe outra música sobre o mistério senão a cantata. A abertura francesa, imaginada para celebrar ínfimos monarcas terrenos e exaltar uma passageira glória, soa de forma sinistra e estridente, em tom de ameaça. Seus versos vieram do Apocalipse, da boca que anuncia ser o Alfa e Ômega, da boca de onde saía uma espada de dois gumes. As vozes, em fuga, celebram a maravilha do mundo e são elas mesmas a maravilha.

O mistério exaltado pela melodia terrível é depois repetido em um raro recitativo onde soa a voz de Jesus, de acordo com os versos do Apocalipse. O sentido da presença próxima é, então, redobrado: eu estou à porta e bato, para entrar em sua casa e cear. Não sou um distante deus de holocaustos e templos: estou ao lado, sentado à sua mesa.

A obra não resiste, contudo, a tanta tensão. Entrega-se de coração e oferece uma dos mais gloriosos corais criados pelo artista: eu não tenho medo; eu ansiosamente espero a presença.


Nun komm, der Heiden Heiland,
Der Jungfrauen Kind erkannt,
Des sich wundert alle Welt,
Gott solch Geburt ihm bestellt.


Vem agora, Salvador dos Pagãos,
Filho da Virgem chamado,
Que maravilhou todo o Mundo,
O Senhor tal nascimento lhe deu.



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