segunda-feira, 1 de março de 2010

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O apego à vida pode pesar, tragicamente, sobre todos os nossos momentos. Os fatos, os afetos, a beleza sonhada e vivida estão condenados desde o nascimento e de pouco adianta o temor da perda. Os tempos hedonistas de nossa civilização pretendem esconder essa verdade produzindo uma vertigem de fatos, afetos e belezas. O noticiário promete novidades todos os dias e acreditamos, pois é de suma conveniência. Muitas pessoas sensíveis, porém, não suportam a impostura e preferem aniquilar o mundo ou a si mesmas.

Temos, assim, também de nos habituar com a exaltação continuada dos que partem e dos que pelejam com esse Mundo. Gozam, mas gozar é insuportável; viajam, mas clamam no deserto porque o retorno é inevitável. A revolta tornou-se um sentimento de alto prestígio e há profissionais e amadores da revolta contra esse Mundo. Queriam-no permanente e definitivo - não é uma coisa, nem outra.

A interrogação do Mundo tem outros caminhos. A percepção de que o ouro é bem passageiro e que a riqueza é tomada de empréstimo pode dar origem a uma canção suave como uma lembrança da juventude. O Mundo é fumaça e como disse o Imperador, fui tudo e nada vale muito a pena. Estamos sempre nos despedindo: estejamos, portanto, à altura da ocasião.

Nossa morte é como um sono. A existência não merece mais do que árias delicadas, vozes de sopranos e contraltos e um respeitoso "Boa Noite".


Sehet, welch eine Liebe hat uns der Vater erzeiget, dass wir Gottes Kinder heißen.


“Vede quão grande caridade nos tem concedido o Pai, que fossemos chamados filhos de Deus”.
(Primeiro Epístola de João 3, 1)


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