sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

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Segue o estilo de um moteto antigo. É cantado em cânone, com uma melodia fugal sem ritornello. A música começa antecipando sua aridez, sem aquela passagem bonitinha que sempre retorna para lembrar do início. Inverte deliberadamente o sentimento do salmo de libertação: examina e percorre a possibilidade de desolação, não o eventual socorro de Deus.

Para um ateu, a existência de Deus seria apenas um engano, cuja correção o livraria de várias responsabilidades; para um crente, a ausência de Deus seria um deserto insurportável, onde a dor é inexplicável e o macabro não teria redenção. Exprimir tal sentimento, sem uma sinceridade íntima, é correr o risco do melodramático e do operístico. A exaltação exuberante do terror sempre esconde uma falta de crença fundamental. Manifestar de forma autência a secura existencial de um mundo sem Deus requer uma austeridade e estranheza que apenas polifonias arcaicas são capazes de produzir. No fundo, o desconforto com uma realidade desagradável e um desespero, no fundo, inútil.

E insuportável, também. Na ária seguinte, sopra uma brisa amigável, um chuva breve e graciosa que sublinha nossa humildade com extrema graça porque já iluminada pela certeza do amparo do Altíssimo. Como foi dito de seu autor, era geralmente sério em suas considerações, mas não lhe faltava a graça amena do filósofo. Mesmo nos desertos, chove.

Dizem alguns comentadores que a música foi composta tendo como referência à má sorte da Saxônia em uma guerra. Talvez soe aqui também um comentário político. O contraste entre a frivolidade galante da corte de Dresden, sempre confiante demais, e a severidade de Leipzig, vítima da guerra.

Wär Gott nicht mit uns diese Zeit,
So soll Israel sagen,
Wär Gott nicht mit uns diese Zeit,
Wir hätten müssen verzagen,
Die so ein armes Häuflein sind,
Veracht' von so viel Menschenkind,
Die an uns setzen alle.


Não fosse Deus conosco nessa Hora,
Assim diz Israel,
Não fosse Deus conosco nessa Hora,
Haveríamos de lamentar,
Pois tão fraca Hoste somos,
Desprezada por tantos filhos do Homem,
Contra nós todos dispostos.


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