quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

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Em Roma há muitas igrejas. Entre as quatro fontes, contudo, existe uma incomparável e vamos falar apenas do campanário. Sem o uso de nenhum recurso cromático, nenhum revestimento de valor, meras paredes lisas, superfícies simples, surge uma varanda em quatro faces, delimitada por quatro colunas, mas divididas em pares por uma pilastra oca, encimada por linhas côncavas, que, ademais, não se ligam em vértices perfeitos, mas em recortes também côncavos. A cada mudança de nível, linhas e mais linhas de reboco, criando divisões e ranhuras onde não haveria nada. Não satisfeito, seu criador agregou um bloco trapezoidal, também com linhas curvas, em cima dele, outro e mais linhas, depois ainda uma esfera e, por fim, exausto, um crucifixo. Usando apenas superfícies, talvez pintadas de bege.

A violação de qualque regra clássica, de qualquer moderação baseada no bom senso, não produz qualquer desconforto. Na verdade, o excesso absurdo e delirante é imediatamente aferroado por recursos estritamente limitados. Há nisso uma lição deliciosa: o desvario dentro da lei; a energia contida pela configuração; a matéria impondo seu peso à imaginação mais fantástica.

Na música, o procedimento é o mesmo. Apenas uma voz, o soprano, cantada por um menino ou por uma diva, ninguém sabe ao certo, mas apenas uma. O um desdobra-se, contudo, no dois, o trompete. Sons quase estridentes, parecidos e muito dessemelhantes, para celebrar justamente a Glória inefável de Deus, espelhando a variedade do criado nos céus e na terra com a variedade dos expedientes musicais. O louvor deve ao menos ambicionar a semlhança com o que é louvado; produzir o mesmo espanto, exibir a mesma incontrolável maestria de algo que se soma a outro algo e assim sempre, mas por meio do mínimo. Trompete e voz ou apenas a voz.

Não há como encerrar essa loucura medida, essa exuberância submetida ao mais rigoroso regulamento, senão com um aleluia preciso, sem a necessidade de qualquer massa sonora para produzir seu efeito. Como um míssel teleguiado, como uma mira a laser. Energia e medida.

Jauchzet Gott in allen Landen!
Was der Himmel und die Welt
An Geschöpfen in sich hält,
Müsse dessen Ruhm erhöhen
Und wir wollen unserm Gott
Gleichfalls jetzt ein Opfer bringen,
Daß er uns in Kreuz un Not
Allezeit hat beigestanden.


Louvai a Deus em todas as terras!
O que os Céus e o Mundo
De criado em si guardam,
Deve sua Glória exaltar
E devemos a nosso Deus
Também agora uma Oferenda trazer,
Pois que na Cruz e na Dor
Ao nosso lado sempre esteve.


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