quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

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A citação é um ofício sofisticado. Ela estabelece uma conexão e também reparte significados; oferece um recorte que ilumina uma frase, mas também exalta ou condena o texto de onde ela veio. O comentário é sempre menos importante que a Escritura e, ainda assim, como o seu sentido seria exposto? Na música, o exercício parece, à primeira vista, inviável: como citar uma obra sem cometer um plágio? Como seria possível comentar uma melodia com outra melodia?

Algumas condições precisam ser cumpridas. Uma das melodias precisa ser tão conhecida - como um coral religioso -, tão simples e tão venerável que a alusão seja imediata e sua reprodução sustentada pela mais pura das intenções. Todos sabem que música é aquela, porque está ali e qual o seu sentido cotidiano. A outra melodia precisa, por sua vez, ser o exato contrário: desconhecida, arrojada, cheia de truques, imaginosa. Escondendo, então, os estratagemas da harmonia, esta se lança sobre a outra como guirlanda e ornamento, amiga feia ou amiga bonita, são melodias, afinal.

Esse é o truque; a obra prima é conduzir a arte da citação. O coral da resignação e da confiança em Deus, composto por Samuel, ganha uma companhia alegre e divertida. As sugestões militares do comando e do poder vão ficando meio floridas e por isso deixa-se Deus comandar com mais confiança e tranquilidade.

Essa música é como uma boneca russa. Dentro de uma, tão sorridente, há outra e mais outra e assim por diante. Na ordem direta e inversa. Uma matriochka de 1724.

Was Gott tut, das ist wohlgetan,
Es bleibt gerecht sein Wille;
Wie er fängt meine Sachen an,
Will ich ihm halten stille.
Er ist mein Gott,
Der in der Not
Mich wohl weiß zu erhalten;
Drum lass ich ihn nur walten.


O que Deus faz, está bem feito,
Mantém-se justa sua vontade;
Quando ele governa meus assuntos,
A Ele hei de guardar em silêncio.
Ele é meu Deus,
Que na Tristeza
Sabe bem como me guardar;
Portanto a ele só deixo comandar.


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