segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

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Albert Schweitzer jamais repetiu as palavras da Eucaristia sem entoar a venerável melodia. Assim ele mesmo escreveu - confissão que não deixa de ser polêmica para um pastor. Há palavras e frases cercadas de tal gravidade que não seriam passíveis de uma tradução musical. Arte é artifício e sensualidade e há sempre o risco do melodramático e da impropriedade. Essa foi, por sinal, a razão que levou ao declínio histórico do uso litúrgico da música.

Trata-se, porém, de um preconceito moderno, derivado de um certo tipo de interpretação intelectual da Escritura. Em outros tempos, a idéia de que a palavra de Deus admitia infinitas leituras - históricas, simbólicas, esotéricas, etc - permitia assimilar sem dificuldade uma tradução musical de sua mensagem. Um tempo em que a música era considerada uma ciência do sagrado ou, pelo menos, das coisas ocultas. Uma melodia ou uma obra musical poderia revelar o sentido secreto do texto sagrado.

Como Jesus Cristo chama suas ovelhas? Com que ênfase? Com que doçura? Um versículo é apenas um versículo se a voz humana não lhe traz a vida. Um versículo pode descrever apenas uma ação trivial, que a voz humana reproduz como se fosse coisa ordinária. A música, por outro lado, pode dar vida ao que era apenas letra e apenas voz. Nesse caso, ficamos sabendo que importante mesmo era chamar as ovelhas por seu nome. Não um chamado geral, para todas as ovelhas. O recitativo, portanto, está chamando o fiel pelo nome e o conduz para fora.

Nem é preciso uma ária ou um coro. O verso é simples, a mensagem é singela e um recitativo pode completar toda a mágica, ensinando algo também sobre a voz e o tom do evangelista João. Quem tiver ouvidos, que ouça. Este, por sinal, é o tema da ária para baixo.


Er rufet seinen Schafen mit Namen und führet sie hinaus.

“ele chama pelo nome as suas ovelhas, e as conduz para fora” (João 10, 3)



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