quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

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O sentido desliza sobre a superfície das palavras. É difícil saber o que realmente estamos dizendo e essa incerteza provoca a reações variadas. Se não podemos falar, dizem uns, devemos calar. Outros afirmam que qualquer frase, em última análise, remete a todas as outras. Quando falamos, estamos falando de todas as coisas do mundo. Saul assegurou, contudo, que podemos falar com confiança das coisas que existiriam em todos os mundos possíveis. É pouco e ele mesmo sabe disso. Melhor deslizar, então, e ver o que acontece.

Revelar, em música, o sentido de uma palavra ou um verso é sempre mais arriscado que dizê-lo. Tudo segundo a vontade de Deus soa como um preito de resignação; nem sempre está claro seu conteúdo de ameaça a que o ritmo, o mero ritmo, soma a inexorável passagem do tempo, a aproximação da Morte e do Juízo. Livre de sílabas, a música afasta as cortinas, abre portas e janelas, cria cenários terríveis. Os versos, agora, são apenas uma figura no horizonte, enquanto a música prossegue como uma tormenta.

Tudo o que tenho ou sou parece, à primeira vista, uma simetria ou uma aliteração. Basta uma linha de melodia para transformá-la em abandono, em perda, em renúncia. A tal ponto, que a melodia vai vivendo com suas próprias forças, deixa de lado as palavras e os versos, deliciada com a persuasão íntima da perda. O que Jesus quer para mim? Basta ouvir.

O paradoxo do sentido é desfazer a rede de significados em torno das palavras. Elas têm apenas uso, provocam efeitos, fazem percursos. O sentido é apenas um peregrino, um viajante malicioso que conta muitas versões de uma história que talvez não tenha existido. A música, na verdade, vai mais além.


Alles nur nach Gottes Willen,
So bei Lust als Traurigkeit,
So bei gut als böser Zeit.
Gottes Wille soll mich stillen
Bei Gewölk und Sonneschein.
Alles nur nach Gottes Willen
Dies soll meine Losung sein




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