terça-feira, 22 de dezembro de 2009

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Depois do primeiro salário, você não ouve mais seu pai. Não ouvirá seu chefe senão por conveniência tática; talvez ouça um padre, pastor ou rabino, mais como cortesia. Se você é leitor do Nicolau, sabe também que todos os homens são feitos da mesma matéria e que é melhor ser temido caso não seja amado. Ninguém espera uma injunção ética de um terapeuta ou mesmo de um médico - apenas o apelo ao próprio interesse e à auto preservação. Depois dos vinte anos ninguém mais ouve um sermão, nem quer ouvir.

Existem hoje anúncios na televisão sugerindo o belo gesto e a solidariedade. Campanhas eleitorais descobriram que emoções podem eleger candidatos e a expressão faça a coisa certa tornou-se corrente, mas a verdade é que é pouco, muito pouco. Os dramas humanos são terríveis demais para que a idéia de fazer a sua parte funcione. Sem flama e sem terror como sentir a tragédia da fome ou do desalento? Ontem, um homem jogou sua mulher do nono andar na cidade do Rio de Janeiro e em seguida pulou para a morte. Ninguém testemunhou ou amparou a miséria que levou ao sangue na calçada de duas vidas perdidas.

Certamente é triste, mas apenas à arte se permite ainda a liberdade da condenação moral e do sermão. O tenor não canta, ele vitupera, interroga, acusa os corações que se tornaram duros como pedra. Acusa os que se dizem cristãos, lamenta a falta de amor pelo próximo. Paira a ameaça da condenação divina, da negação do coração de Deus.

Sim, é apenas música. Ninguém dará mais do seu por causa de acordes violentos ou porque Kurt cantou com bravura e emoção. O sermão que inguém ouvirá, contudo, está lá: quem quiser ouvir, que ouça.


Ihr, die ihr euch von Christo nennet,
Wo bleibet die Barmherzigkeit,
Daran man Christi Glieder kennet?
Sie ist von euch, ach, allzu weit.
Die Herzen sollten liebreich sein,
So sind sie härter als ein Stein.


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